Dia livre, precisava-o. Tava algo canso, mental e fisicamente. Preparar aulas, atender projectos próprios e o relógio biológico que me acorda e faz-me erguer sem considerar muito o número de horas que um leva dormido. Remendo sem muita manha mas, eu parece-mo, com efectividade suficiente, um descosido num jérsei que ainda bom foi como resistiu o lavado a mão que lhe dei. Aproveito para lhe dar também uma pontada a uma jaqueta de diário que ainda ponho por baixo doutra. Saio ao frio da manhã que hoje não é tanto mas sim abundo para, aos poucos minutos, reparar que esqueci as luvas na casa. Meto as mãos nos petos como opção alternativa à volta atrás e caminho para frente direcção leste por quarenta minutos.

Instalado ao abrigo de novo, tomo um café com uns bolinhos de massas diversas. Começo a lhe dar uma primeira volta a alguns temas do meu interesse e acabo ouvindo música. Vou, sem buscá-la, dar com uma versão de uma canção, When I’m gone, que uma colega me recomendou numa excursão que fizemos há dous meses. E levado agora por uma outra recomendação do menu de YouTube, boto meia hora com uma entrevista a Maria Bethânia sobre música e versos. E vêm a mim as formosas vozes da infância: barulhão, assoviar, corredor, … né mesmo, forma presente nas cântigas do meu lugar. Eu é para a minha ideia que, quitando a beira sul do Minho, hoje em dia é em Brasil onde melhor se fala o Galego com muita diferença. Com formas novas a designarem novas realidades, vindas de outras tribos e outras falas, com variantes dialectais a distinguirem mesmo um curruncho de Brasil do outro, decote por isso o nosso idioma a atingir os registos mais cultos e elevados na voz de Bethânia.

E reparo particularmente no derradeiro poema/cantar (minuto 26). E penso na relação dos versos e a música antes de me dedicar umas horas à releitura das dezaoito primeiras linhas dos Contos de Canterbury de Chaucer que suponho transcendem o âmbito atlântico para serem universais: os meses do ano; o passar cíclico do tempo reflectido na chuva que faz florir as plantas, na altura do abrente sobre os outeiros, no cantar dos passaros e… nas romarias como eram algum tempo conforme as eu conheci nos adros dos bons e generosos.

E cavilo sobre a literatura e a música. E o âmbito culto e o popular. Primeiro desde a evolução de You’re gonna miss me when I’m gone. Depois Tocando em Frente cantada e explicada por um dos seus compositores que acabo ouvindo numa versão de Paula Fernandes. E releio, porque gosto de ver a forma do verso e as linhas, enquanto ouço.



Tocando em frente

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso, porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei,
eu nada sei

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso o amor pra poder pulsar,
é preciso paz pra poder sorrir,
é preciso a chuva para florir.

Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha, e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada,
eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou,
de estrada eu sou.

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso o amor pra poder pulsar,
é preciso paz pra poder sorrir,
é preciso a chuva para florir.

Todo mundo ama um dia todo mundo chora
Um dia a gente chega, no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história,
E cada ser em si, carrega o dom de ser capaz
de ser feliz.

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso o amor pra poder pulsar,
é preciso paz pra poder sorrir,
é preciso a chuva para florir.

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso, porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história,
E cada ser em si, carrega o dom de ser capaz
de ser feliz.

(letra adaptada desde http://www.cifraclub.com.br/almir-sater/tocando-em-frente/ )

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